sábado, 10 de junho de 2006

MEU PAI E A COPA

Sinto saudades do meu pai. É a primeira Copa do Mundo sem ele. A gente viu junto o Brasil 70. Na verdade vimos mais juntos. Vimos o Santos do Pelé na Vila Belmiro dezenas e dezenas de vezes, inclusive no jogo histórico em que o Pelé bateu o recorde de gols numa única partida. Mas meu ídolo era o goleiro Gilmar. Aquele que abraça o Pelé na famosa foto de 58.


Meu pai infartou a primeira vez em 78 e ficou proibido de assistir jogos de futebol. Na Copa? Magina ... Como? Resultado é que em casa a gente ficava com um olho na TV vendo o jogo e outro olho nele, vendo se ele infartava (não, e ele não morreu do coração). Mas o caso é que ele tinha um jeito muito estranho de torcer pelo Brasil. Era só começar a Copa e ele ficava falando:
- Tomara que o Brasil perca logo.
- Mas pai ...
- Vem embora e pronto! Acaba!
Minha mãe Marina, acostumadésima com o Espanhol Malcriado – apelido do Seu Luciano – nem se abalava. Meu irmão ficava louco.
- PÔRRA PAI! FICA TORCENDO CONTRA !
e ele continuava, entre os dentes, meio resmungando:
- Melhor perder logo na primeira do que perder no fim.
- Qual é pai! Vai dar Brasil! Só tem Brasil! O Brasil isso ... o Brasil aquilo ... a Argentina isso ... a Itália aquilo ... .
e ficavam horas os dois discutindo (os dois de Touro) sobre perder quando ganhar todas.
Sim, meu pai viu o Dunga levantar o Tetra e viu o Cafu levantar o Penta. Mas viu Zidane jogar. Viu carossel holandês. Viu 86 Sócrates e Zico perderem pênaltis. Viu 78. 74. Viu nosso único goleiro negro até agora ser titular. É! Meu pai viu Barbosa morrer entre as traves num Maracanã que ficou mudo, afundado naquela final zero a um.
Então, quando meu pai dizia “tomara que o Brasil perca logo...” eu não falava nada. Primeiro porque não tinha competência pra engrenar a discussão futebolística, mas principalmente porque – mesmo contra a minha vontade – eu concordava com ele.

Nesta Copa, este ano, a gente tem novamente um time de sonhos. O medo bate e é como se meu pai estive aqui do lado dizendo : “tomara que o Brasil ... “ e bato na madeira três vezes.

É! Mas isso não passava batido não! A vingança suprema era o Brasil Campeão! CA-LA-RO! Todo mundo tirava uma com o velho Luciano. Um deboche que durava quatro anos com variações sobre o mesmo tema:
- Ué? O Senhor não torceu prô Brasil perder logo?
Meu pai inclinava um pouco a cabeça pro lado enquanto dava de ombros, fechava os lindíssimos olhos azuis e sorria feliz feliz - com o coração renovado - sem dizer nada.

Começou outra Copa.
Tomara que o Cafu levante o Hexa.

2 Comments:

Blogger Fábio Bito Caraciolo said...

legal o texto...
sabe... algumas coisas marcam a gente mesmo... como ir com o pai ao jogo...

Nunca fui com meu pai (ele não gosta de estádios e coisa e tal) mas sempre fui com meu irmão e minha mãe...

Depois desenterro uma históira dessas...

10 junho, 2006  
Blogger tássia said...

Taí, gostei do seu pai!

14 junho, 2006  

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